Na expectativa de encetar uma exposição consigo e consolando a minha anseia de ortografar, exponho-lhe uma citação de S. João deixada para a posteridade no seu evangelho.
Empreenda: na verdade, na verdade vos digo que se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto.
Na exactidão vos digo que excessivas acepções terá tal frase, desafio-o mesmo a tomar diligência própria e dissertar sobre as tamanhas possibilidade que tal frase lhe profere a si.
Todavia peço-lhe absolvição pelo instante de tremendo egoísmo ao principiar a minha conveniente descrição, dando-lhe o meu pensar sobre a figura supramencionada…
Assim como o grão de trigo que ao cair do seio da sua confortável progenitora poderá cessar originado fruto e caso não morra ficará só, por si só um grão de trigo, descontinuando um encadeamento de factos congénitos que deveriam advir, também o pretérito que não morre, não deixará de todo viver, não criará fruto e impedirá um ordinário desenrolar do presente que será constantemente obscurecido por esse mesmo energúmeno que não morre, não cria frutos e nem deixará viver o seu fecundante!
Repare que o passado enquanto se mantém vivo na sua lembrança é nada mais que um estorvo, adulterando o seu presente e comprometendo o seu destino, não haverá pior infortúnio que um passando ainda vivo, nem que se encontre num estado vegetante.
Mesmo assim causar-lhe-á, no ínfimo, alguma apoquentação, como uma coceira no braço que inevitavelmente terá que cessar, ocorre no preciso momento em que o filme que confortavelmente está vendo entra na fase do clímax, distraindo-o e aborrecendo-o por ter perdido tal acção, fazendo com que tenha de pedir ao seu parceiro que lhe explique o que sucedera no dito filme.
Um passado que perdura não passará de um amontoamento de poeira que se cumula no canto mais alto do móvel que possui na sala, aquele tipo de poeira que ninguém conseguirá ver a não ser o leitor.
Deixemo-nos de meras comparações, um passado inconclusivo impedir-me-á e impedir-lhe-á de gozar o presente e o futuro que mereço e merece! Por mais pavoroso, ou mais primoroso, que tenha sido não terá o direito de o coibir de desfrutar seja do que for.
Assentirá comigo que nem perpetuamente será fácil mata-lo de feição a criar frutos, esperemos que esses mesmos brotos não sejam uma má colheita, enfim. De qualquer modo o passado como já disse, essa coisa incomodativa que nos aterra dia e noite, que por vezes nem nos nossos sonhos nos dá o merecido ócio, terá indispensavelmente que ser liquidado, a prisão não é satisfatória, não se esqueça que se o fizer acabará por ser o recluso do seu prisioneiro.
Após o homicídio ter alcançado êxito, enxergue que este é o único que não é merecedor de um correctivo, antes pelo inverso, será mesmo merecedor de um enaltecimento, podendo encher-se de brio sem qualquer arrependimento, passará agora pelo período de germinação.
Quanto a si, não deverá passar pelo luto como diria o menos atento, esse fora já feito enquanto o dito ainda permanecia em vida, acabando mesmo o leitor por fazer pesar da sua própria vida.
Agora, com toda a autenticidade, perguntar-me-á que frutos são esses? Que coisas tal coisa terá a competência de gerar que nos serão proveitosas, descomprometendo-nos o futuro que em tempo fora comprometido pelo passado que já se encontra decesso? O curioso da questão, ou questões como optar, é que identicamente até então não saberia o que lhe retorquir, provavelmente rir-me-ia de tal doidice, mas, agora poderei dizer-lhe o que lhe trará, ou melhor, quais os frutos que poderá colher, já que só agora fui capaz de o fazer, de cometer o mesmo assassinato esperando que algo daí crescesse, esperando pacientemente.
Não será uma reacção instantânea como é a da água em contacto com o azeite, é fundamental a serenidade e domínio da paciência, coisa que acabará por surgir, caso não a tenha.
Peço-lhe perdão por em parte dar alas à minha divagação, tornando quase o nosso colóquio em vejamos, um solilóquio!
Imenso disparate! Não será a minha tenção faze-lo, caso o fosse dissertaria sobre… a afeição própria, tão íntima e exclusiva que é!
Nunca sobre o passado que sendo de igual modo íntimo é um mal comum enquanto senhorear sobre a minha, a sua e a nossa vida.
Esse mesmo falecimento dar-lhe-á uma nova vista, sem limites, tendo em conta os limites da condição humana, dar-lhe-á algo de extrema sumptuosidade que nem as mais raras pérolas conseguirão dia algum comprar, dar-lhe-á algo tão puro! Chega a parecer extravagante tão grande dissertação sobre esse mesmo fruto, dar-lhe-á lições…
Não aquelas que aprendemos nas escolas, que apenas são úteis no raciocino lógico e guiado, mas sim aquelas que nos emendam interiormente, assim como é uma relação entre um sujeito que apreende um objecto, sujeito esse que é o conhecedor e objecto que é o conhecido, só o primeiro é modificando, surtindo nele uma vastíssima transformação, arrisco-me mesmo a cair no ridículo chamando-lhe de metamorfose.
Veja se me percebe, o passado só será útil morto, podendo geral benefícios, dar-lhe-emos o nome de lições, lições que colhemos e que deveremos apreender para assim podermos ter a segurança que esse nos foi proveitoso e que nos acautelará de nele voltar a capitular, que nos prepare para o futuro que se acerca a cada segundo, ensinando-nos qual trilho deveremos abraçar, com o fim de atingir a maior fortuna, que se bem usada acabará por agraciar os demais.
Presencie o quão despretensiosa a sua vida poderá ser se tudo no seu passado estiver carecido de vida, consentindo um término de um ciclo e ensinando-lhe a oportunidade de viver uma existência feliz com fundamento nas reminiscências que se tornaram as lições que tanto lhe tagarelei. Comprove agora, já que leu desmedida exposição sobre um caso que poderia parecer-lhe incapaz de conceber frutos, se traduziu num caso capaz de gerar a condição de erudição conveniente para lhe alumiar o caminho para a fortuna.
Peço novamente descargo pela propensão que tenho em entrar em vastas divagações, podendo de vero modo ensandece-lo, sujeitando o eficaz recebimento da concepção que tentei ao logo da exposição transmitir-lhe, sem me inquietar sobre o descomedimento que experimentei sobre o seu inestimável tempo.