16 de fevereiro de 2011

O dia em que decidimos não sair da cama !


Acordo com a chuva a bater no telhado, atrapalhadamente agarro o telemóvel e vejo as horas, seis horas da manhã, faltam duas horas para acordar, adormeço.
“Bolas!”, acordo de novo com o toque irritante do despertador que todos os dias por esta hora penso em mudar mas que acabo sempre por esquecer.
 Não quero sair da cama, penso, está a chover vou molhar-me, eu mereço ficar na cama!
Todos nós merecemos ficar um dia na cama, sozinhos, agarrados à almofada. O dia hoje é meu e da minha cama, num acto de irresponsabilidade hoje vou esquecer as minhas obrigações e não saio daqui, não saio e ponto final!
Aí maldita Consciência. Maldita que és, sentas-te junto a cama a olhar me com cara de reprovação.
“Deixa-me em paz! Hoje o dia é meu…”, a parva continua a olhar, abana a cabeça em sinal de desilusão, “vai à merda”, e viro-lhe costas.
Chegou agora a Irresponsabilidade, sempre muito bem vestida, mesmo muito sexy e apetecível, como está bonita hoje! Puxa os lençóis e instala-se na cama, senhora e rainha dela.
Volto a olhar para a Consciência, desta vez estava a mexer-me nos livros, provocando-me, num acto de picardia, agarro também no livro que tenho na mesinha de cabeceira, mostro-lho, “vês minha parva, vou lê-lo daqui a pouco!”. A Irresponsabilidade ri-se, a torçar de mim, “vou mesmo, deixem-me em paz!”.
Hoje não vou sair da cama, já disse, não vão ser estas duas coisas, fruto da minha imaginação que me vão forçar a sair, já agora!
Viro-me, volto a virar-me, aquelas estúpidas tiraram-me o sono, mas mesmo assim não desisto, não saio daqui!
Acendo a luz do pequeno candeeiro, reparo como ele é triste, nem abajur tem, que infeliz que é! Agarro no livro e começo a ler, página após página absorvo aquela história, como se eu fosse a personagem daquela narração, sou interrompido pelo estômago, “o que queres também tu?”, faz aqueles barulhos irritantes, queixando-se da fome que tem, “vais fazer-me sair da cama!”, levanto-me resmungando e vou até à cozinha, faço um chá e pego numas bolachas de água e sal, volto a correr para a cama, mas desta vez com cuidado, não quero que a pele refile comigo por se ter queimado, como e bebo. Regresso à leitura, “porra!”, sou de novo interrompido, o telefone a berrar, “devem querer saber onde estou, curiosos!”, não atendo, ninguém tem nada que saber dos meus ataques de irresponsabilidade, desligo-o!
Estou desconcentrado, a leitura seria inútil, Dostoievski não merece tal falta de consideração, ligo a televisão. Tragédias, apresentadoras de televisão a chorarem que nem Madalenas, outras a fazerem do estúdio um circo, eu quero qualidade! Afinal fiquei na cama não por preguiça, mas sim pela minha pseudo-vontade de absorver cultura!
Conjecturo as várias hipóteses para justificar a minha falta de, digamos, vontade de sair da cama, que seja facilmente compreendida pelos outros, para mim é mais que obvia!
A Consciência volta, põem-se à frente da televisão, “o que queres?”, rende-se e deita-se na cama mais a Irresponsabilidade que aparece do nada.
 Que visão maravilhosa, os três na cama a desfrutar a beleza de não fazer nada, ou o Dolce Far Niente, como dizem os nossos amigos italianos.
 “Vêem como é bom?”, respondem com um sorriso.
Afinal, foi o dia em que decidimos não sair da cama!